terça-feira, 20 de agosto de 2013

Por Mário Rui Araújo - 19ª Simpósio da Federação Internacional de Higienistas Orais


Apetece escrever: Querido diário, mas talvez não ficasse bem...

Obrigado ao Celso Da Costa pelo convite de escrever para o seu blog e parabéns pela iniciativa. É assim que se divulga a profissão, com iniciativas, com projetos visíveis que vão para além das 4 paredes do consultório ou da instituição. A ler mais à frente as palavras da Dagmar...

Assim, fica aqui alguns apontamentos do que se viu durante os 4 dias no 19º Simpósio da IFDH em Cape Town, África do Sul.

Para quem vem à procura de grandes novidades, este não é talvez o sitio onde elas sejam mais evidentes, mas há sempre imensa coisa a descobrir e esse é o fascínio destas reuniões internacionais. 
A próxima será bem perto, mas já lá iremos.

No primeiro dia, entre o registo e a cerimónia de abertura, uma pequena visita à exposição. É sempre fascinante a entrada, as cores, a excitação das novidades e quem sabe, de alguma boa pechincha.
Foi talvez a exposição mais pequena de todos os Simpósios que visitei, mas cheia de gente simpática e passatempos divertidos. Para começar, pimba, acabo de ganhar uma Philips Sonicare FlexCare. Estas escovas da Philips são muito interessantes, mas em Portugal ou têm um preço proibitivo ou, simplesmente, não existem.
Das grandes marcas presentes, 0 novidades. A única exceção foi a Listerine que lançou o seu elixir para a hipersensibilidade dentária: Listerine Advanced Defense Sensitive com a particularidade de ter um produto ativo diferente (Tecnologia de Cristais de Oxalato de Potássio) cuja a ação provoca a formação de cristais que vão tamponar os túbulos dentinários. O oxalato de potássio não é de todo “novo” na hipersensibilidade (a Buttler já o usou), mas com esta formulação e tecnologia parece, segundo alguns colegas investigadores, ser eficaz na redução da hipersensibilidade dentinária. Segundo a página da Listerine em Portugal, este já está disponível no nosso país. Entretanto, na página da Listerina no UK, há informações, vídeos e um documento interessante sobre a hipersensibilidade para download: http://www.dentistry.co.uk/listerine
De visita à “Sunstar GUM” não se viu grandes novidades, estavam lá os “soft-picks” e, este sim uma novidade, pelo menos para mim, os novos escovilhões de viagem da GUM . Totalmente flexíveis e com novo design.
A Colgate sem novidades, focada no novo Optic White e no Pro- Relief para a sensibilidade.
A Oral-B também bem representada, com um enorme stand mas sem novidades de maior. Reforço na apresentação da nova cabeça Tri-Zone e da pasta Pro Expert.
Interessante foi ver as estratégias de cada stand. Há marcas que ainda não perceberam que ter lá os produtos para mostrar, stands muito bonitos e grandes não é de todo apelativo. Stands, mesmo que mais pequenos como o da Pepsodente (Unilever) (sim ainda existe) ou o da Sonicare, tinham dinâmicas giríssimas e que de certeza vão ter maior impacto nos consumidores do que os grandes stands, de gente cinzenta e quieta... Estranhas estas estratégias de Marketing!

No resto da exposição havia coisas engraçadas, vejam as fotos dos rolos de algodão cor de rosa, achei o máximo e tenho a certeza que algumas das minhas pacientes mais novas iriam adorar. Bem como as cúpulas e escovas de polimento às cores... divertido.
 

E assim é, nada de grandes novidades, exposição pequena, simpática e qb para um congresso com 600 inscrições (menos do que se esperava).
De volta à sala de conferências, a cerimónia de abertura, divertida, simples e interativa, enfim como deve de ser. Com as suas precursões, os Drum Cafe foram fantásticos.

Dia 2, 3 e 4
Muitas conferências, horários sobrepostos, a dificuldade da escolha. Mas é sempre assim, ficamos com a sensação que precisávamos de repetir o processo e fazer agora outras escolhas, pois houve tanta coisa interessante que não se ouviu e discutiu. Fica aqui num resumo o que assisti:
Professor Robin Seymour veio falar da relação saúde, oral saúde geral. Sem novidades, apenas com a ultima e interessante relação entre o Alzheimer e a doença periodontal. Apresentou alguns estudos interessantes, segundo Bahecar e col. Pessoas com menos de 10 dentes tem 1.24 vezes mais hipóteses de desenvolver problemas cardíacos.

A conferência de Elna van der Ham foi muito interessante. Ela mostrou-nos que a cultura de um povo é algo tão profundo que é difícil de padronizar. Por exemplo, na África do Sul, onde existem diversas tipos de culturas, existem algumas cujo a não existência dos dentes anteriores é um sinal de beleza e funcionalidade sexual (deixo o resto à vossa imaginação). Muitas vezes, é por decisão própria que se retiram estes dentes, como forma de serem aceites e admirados entre os seus. Existem grupos de trabalho que tentam alterar estas crenças, contribuindo para a melhoria da saúde oral destas comunidades. O trabalho é multidisciplinar, envolvendo higienistas, psicólogos, sociólogos e sexólogos.

O Professor Svante Twetman falou sobre probióticos. Sem grandes novidades, ficou-nos a ideia, que andamos limpos demais. Brincamos pouco na terra, somos obcecados pelas lavagens e pela higiene. Nem tanto ao mar nem tanto á terra. Vários exemplos: a amamentação e os partos vaginais são fontes importantíssimas para criar nosso organismo uma biblioteca de anticorpos fundamental para as defesas  do dia a dia. A diferença é grande quando se comparam os dois tipos de partos. Interessante a informação sobre o tipo de biofilme oral cuja a sua composição é única e varia consoante a sua localização: sub-gengival, Interproximal e áreas com muito acesso á saliva. A ideia dos probióticos baseia-se no novo paradigma de que em vez de atacar os microrganismos patogénicos deve-se fortalecer o hospedeiro de forma que este seja ele capaz de controlar as agressões. Fica a ideia que não existem ainda “os probióticos” mas que estes, de uma forma interdisciplinar podem também ser uma parte da solução, juntamente com o flúor, clorohexidina, higiene oral, xilitol, selantes, estimulação da saliva, dietas equilibradas e um bom desenho terapêutico baseado nas necessidades individuais.

A professora Salme Levigne falou sobre a necessidade de olharmos para a saúde oral dos mais idosos e do facto de haver cada vez mais dentes e pessoas para além dos 70. Este é um campo em franca evolução e vale a pena seguir o trabalho desta professora. Existe neste nicho da população  uma taxa elevada de pessoas com doença periodontal e com alguns problemas de saúde associados (demência e problemas cardíacos) a qualidade de vida pode estar afetada. Outro fator importante a referir é a forma, quase negligente, com que os lares ou casas de repouso olham para a saúde oral, não apenas em Portugal, mas na maioria dos países.
Dagmar Slot apresentou mais uma vez com grande qualidade. Esta investigadora holandesa é uma das higienistas orais com mais publicações e tem trabalhado muito para que os higienistas orais publiquem cada vez mais. Não publicar é não existir, segundo as palavras de Slot.

Na sua apresentação Floss or Lie ficou demonstrado que a estratégia de ensino do fio dentário diário não é eficaz, não funciona e não é suportado por evidência científica. Ou seja, quando nos chateiam para estar sempre a ensinar a usar fio dentário, ou  quando chateamos os pacientes até ao “tutano” com a história do fio dentário, estamos a chover no molhado.
Para crianças com alto risco à cárie e baixa utilização de fluoretos, a utilização profissional do fio (na consulta e aplicada pelo profissional) é, nestes pacientes, a única forma do fio ser eficaz na redução do risco à cárie dentária (Hujoet e col, 2006). A auto-utilização do fio dentário não mostrou resultados.
Segundo a organização Cochrane, numa revisão sistemática publicada em 2013 existe alguma evidência que o fio, juntamente com a escovagem reduz os níveis de gengivite, quando comparado com a utilização apenas da escovagem. Existe uma fraca evidencia que o fio em conjunto com a escovagem reduz a placa bacteriana e nenhum estudo demostrou que o fio em conjunto com a escovagem é eficaz na prevenção da cárie dentária.
Espanto na sala, burburinho.... Não se utiliza mais o fio????
Slot refere que a grande questão é que a técnica necessária para que o fio seja eficaz é muito difícil de efetuar e, para a grande maioria das pessoas que usam fio, este não é eficaz. Basta ver pelos nossos pacientes. Se houvesse um pódio para os meios mais eficazes de controlar o biofilme Interproximal teríamos, em primeiro lugar o escovilhão, em segundo o palito e só depois o fio. A grande questão é o que é que queremos para a nossa intervenção clinica. Se formos daqueles que entrámos na rotina, nada interessa, fala-se do fio e depois culpa-se o paciente dizendo que ele é isto e aquilo. Todos nós fazemos fio diariamente? De forma 100% eficaz? Provavelmente não...
A estratégia passa sempre por uma avaliação cuidada do paciente, quer das suas condições clinicas, crenças, disponibilidades e capacidades financeiras. O que a evidência nos diz é que o fio dentário não deve ser a escolha de eleição e não deve ser “vendido” como o principal meio de limpeza Interproximal...existem outras e mais eficazes...
Na apresentação dos prémios da Sunstar, Dagmar Slot, apresentou a sua investigação vencedora do prémio de investigação sobre geles de clorohexidina versus elixires. A utilização do gel (com o dedo) como tantas vezes é indicado, não é eficaz. Elixir ou com aplicação do gel com escova de dentes.

A apresentação sobre o papel que os:  “Low Temperature Atmospheric Pressure Plasma (LTAPP)” estão a ter e vão ter no futuro parece muito interessante. Esta tecnologia promissora parece estar a demonstrar resultados muito interessantes na área da medicina, nomeadamente na medicina dentária. Sendo possível utilizá-la desde a desinfeção e materiais  ao tratamento de doenças periodontais, cáries e carcinomas. A seguir... 
Entre visitas a outras salas, descobrem-se conferências sobre intervenções comunitárias. Fantásticas, eficazes e divertidas...Mas fica aquela sensação que em Portugal fazemos igual, mais e muitas vezes melhor...só que ninguém sabe de nada... porque publicamos pouco e apresentamos pouco fora de portas...
Outro realce importante e nisso o nosso SOBE foi um exemplo fantástico, muitos programas de intervenção não passam pela escovagem pura e dura. Na realidade, o escovar é um resultado que se espera das famílias. As estratégias apresentadas passaram muito por intervenções em  organizações, com o objectivo de se criarem programas interdisciplinares e que se misturem com as diferentes estratégias no terreno: programas de rádio, danças, saúde sexual e saúde oral, idosos, mobilidades e saúde oral, teatros, enfim, uma mistura de intervenções onde a globalidade da saúde oral está presente e desta forma atuando sobre a cultura dos indivíduos e famílias de uma forma diária, mesmo em pequenas doses, tal como o flúor...  A participação do tema saúde oral nas comemorações dos 800 anos da língua Portuguesa, esse bateu-os a todos...

E assim passou o tempo, passaram as horas e ficaram saberes que se partilham. Fica o desafio, daqui a 3 anos mais World Dental Hygienists Awards e mais um IFDH Symposium, desta vez aqui bem perto, na Suíça, Basileia...vamos encher  a cidade de sorrisos Portugueses e de saberes lusitanos... Basileia 2016 é já ali, preparem-se!
Como frase final, fica o desafio de João Garcia, o nosso alpinista: Não deixes de explorar, de fazer coisas novas.../Never Stop Exploring!
Até sempre

Mário Rui Araújo
MRA

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