Apetece escrever: Querido diário, mas talvez não ficasse bem...
Obrigado ao Celso Da Costa pelo convite de escrever para o seu blog e
parabéns pela iniciativa. É assim que se divulga a profissão, com iniciativas,
com projetos visíveis que vão para além das 4 paredes do consultório ou da
instituição. A ler mais à frente as palavras da Dagmar...
Assim, fica aqui alguns apontamentos do que se viu durante os 4 dias no 19º
Simpósio da IFDH em Cape Town, África do Sul.
Para quem vem à procura de grandes novidades, este não é talvez o sitio
onde elas sejam mais evidentes, mas há sempre imensa coisa a descobrir e esse é
o fascínio destas reuniões internacionais.
A próxima será bem perto, mas já lá
iremos.
No primeiro dia, entre o registo e a cerimónia de abertura, uma pequena
visita à exposição. É sempre fascinante a entrada, as cores, a excitação das novidades
e quem sabe, de alguma boa pechincha.
Foi talvez a exposição mais pequena de todos os Simpósios que visitei, mas
cheia de gente simpática e passatempos divertidos. Para começar, pimba, acabo
de ganhar uma Philips Sonicare FlexCare. Estas escovas da Philips são muito
interessantes, mas em Portugal ou têm um preço proibitivo ou, simplesmente, não
existem.
Das grandes marcas presentes, 0 novidades. A única exceção foi a Listerine
que lançou o seu elixir para a hipersensibilidade dentária: Listerine Advanced Defense Sensitive com
a particularidade de ter um produto ativo diferente (Tecnologia de Cristais de
Oxalato de Potássio) cuja a ação provoca a formação de cristais que vão
tamponar os túbulos dentinários. O oxalato de potássio não é de todo “novo” na
hipersensibilidade (a Buttler já o usou), mas com esta formulação e tecnologia
parece, segundo alguns colegas investigadores, ser eficaz na redução da
hipersensibilidade dentinária. Segundo a página da Listerine em Portugal, este
já está disponível no nosso país. Entretanto, na página da Listerina no UK, há
informações, vídeos e um documento interessante sobre a hipersensibilidade para
download: http://www.dentistry.co.uk/listerine
De visita à “Sunstar GUM” não se viu grandes novidades, estavam lá os “soft-picks” e, este sim uma novidade,
pelo menos para mim, os novos escovilhões de viagem da GUM . Totalmente
flexíveis e com novo design.
A Colgate sem novidades, focada no novo Optic
White e no Pro- Relief para a
sensibilidade.
A Oral-B também bem representada, com um enorme stand mas sem novidades de
maior. Reforço na apresentação da nova cabeça Tri-Zone e da pasta Pro Expert.
Interessante foi ver as estratégias de cada stand. Há marcas que ainda não
perceberam que ter lá os produtos para mostrar, stands muito bonitos e grandes
não é de todo apelativo. Stands, mesmo que mais pequenos como o da Pepsodente
(Unilever) (sim ainda existe) ou o da Sonicare, tinham dinâmicas giríssimas e
que de certeza vão ter maior impacto nos consumidores do que os grandes stands,
de gente cinzenta e quieta... Estranhas estas estratégias de Marketing!
No resto da exposição havia coisas engraçadas, vejam as fotos dos rolos de
algodão cor de rosa, achei o máximo e tenho a certeza que algumas das minhas
pacientes mais novas iriam adorar. Bem como as cúpulas e escovas de polimento
às cores... divertido.
E assim é, nada de grandes novidades, exposição pequena, simpática e qb para um congresso com 600 inscrições
(menos do que se esperava).
De volta à sala de conferências, a cerimónia de abertura, divertida,
simples e interativa, enfim como deve de ser. Com as suas precursões, os Drum Cafe foram fantásticos.
Dia 2, 3 e 4
Muitas conferências, horários sobrepostos, a dificuldade da escolha. Mas é
sempre assim, ficamos com a sensação que precisávamos de repetir o processo e
fazer agora outras escolhas, pois houve tanta coisa interessante que não se
ouviu e discutiu. Fica aqui num resumo o que assisti:
Professor Robin Seymour veio falar da relação
saúde, oral saúde geral. Sem novidades, apenas com a ultima e interessante
relação entre o Alzheimer e a doença periodontal. Apresentou alguns estudos
interessantes, segundo Bahecar e col.
Pessoas com menos de 10 dentes tem 1.24 vezes mais hipóteses de desenvolver
problemas cardíacos.
A conferência de Elna van der Ham
foi muito interessante. Ela mostrou-nos que a cultura de um povo é algo tão
profundo que é difícil de padronizar. Por exemplo, na África do Sul, onde existem
diversas tipos de culturas, existem algumas cujo a não existência dos dentes
anteriores é um sinal de beleza e funcionalidade sexual (deixo o resto à vossa
imaginação). Muitas vezes, é por decisão própria que se retiram estes dentes,
como forma de serem aceites e admirados entre os seus. Existem grupos de
trabalho que tentam alterar estas crenças, contribuindo para a melhoria da
saúde oral destas comunidades. O trabalho é multidisciplinar, envolvendo
higienistas, psicólogos, sociólogos e sexólogos.
O Professor Svante Twetman falou
sobre probióticos. Sem grandes novidades, ficou-nos a ideia, que andamos limpos
demais. Brincamos pouco na terra, somos obcecados pelas lavagens e pela
higiene. Nem tanto ao mar nem tanto á terra. Vários exemplos: a amamentação e
os partos vaginais são fontes importantíssimas para criar nosso organismo uma
biblioteca de anticorpos fundamental para as defesas do dia a dia. A diferença é grande quando se
comparam os dois tipos de partos. Interessante a informação sobre o tipo de
biofilme oral cuja a sua composição é única e varia consoante a sua
localização: sub-gengival, Interproximal e áreas com muito acesso á saliva. A
ideia dos probióticos baseia-se no novo paradigma de que em vez de atacar os
microrganismos patogénicos deve-se fortalecer o hospedeiro de forma que este
seja ele capaz de controlar as agressões. Fica a ideia que não existem ainda
“os probióticos” mas que estes, de uma forma interdisciplinar podem também ser
uma parte da solução, juntamente com o flúor, clorohexidina, higiene oral,
xilitol, selantes, estimulação da saliva, dietas equilibradas e um bom desenho
terapêutico baseado nas necessidades individuais.
A professora Salme Levigne falou
sobre a necessidade de olharmos para a saúde oral dos mais idosos e do facto de
haver cada vez mais dentes e pessoas para além dos 70. Este é um campo em
franca evolução e vale a pena seguir o trabalho desta professora. Existe neste
nicho da população uma taxa elevada de
pessoas com doença periodontal e com alguns problemas de saúde associados
(demência e problemas cardíacos) a qualidade de vida pode estar afetada. Outro
fator importante a referir é a forma, quase negligente, com que os lares ou
casas de repouso olham para a saúde oral, não apenas em Portugal, mas na
maioria dos países.
Dagmar Slot apresentou mais uma vez
com grande qualidade. Esta investigadora holandesa é uma das higienistas orais
com mais publicações e tem trabalhado muito para que os higienistas orais
publiquem cada vez mais. Não publicar é não existir, segundo as palavras de Slot.
Na sua apresentação Floss or Lie
ficou demonstrado que a estratégia de ensino do fio dentário diário não é
eficaz, não funciona e não é suportado por evidência científica. Ou seja,
quando nos chateiam para estar sempre a ensinar a usar fio dentário, ou quando chateamos os pacientes até ao “tutano”
com a história do fio dentário, estamos a chover no molhado.
Para crianças com alto risco à cárie e baixa utilização de fluoretos, a
utilização profissional do fio (na consulta e aplicada pelo profissional) é,
nestes pacientes, a única forma do fio ser eficaz na redução do risco à cárie
dentária (Hujoet e col, 2006). A auto-utilização do fio dentário não mostrou
resultados.
Segundo a organização Cochrane, numa revisão sistemática publicada em 2013
existe alguma evidência que o fio, juntamente com a escovagem reduz os níveis
de gengivite, quando comparado com a utilização apenas da escovagem. Existe uma
fraca evidencia que o fio em conjunto com a escovagem reduz a placa bacteriana
e nenhum estudo demostrou que o fio em conjunto com a escovagem é eficaz na
prevenção da cárie dentária.
Espanto na sala, burburinho.... Não se utiliza mais o fio????
Slot refere que a grande
questão é que a técnica necessária para que o fio seja eficaz é muito difícil
de efetuar e, para a grande maioria das pessoas que usam fio, este não é
eficaz. Basta ver pelos nossos pacientes. Se houvesse um pódio para os meios
mais eficazes de controlar o biofilme Interproximal teríamos, em primeiro lugar
o escovilhão, em segundo o palito e só depois o fio. A grande questão é o que é
que queremos para a nossa intervenção clinica. Se formos daqueles que entrámos na
rotina, nada interessa, fala-se do fio e depois culpa-se o paciente dizendo que
ele é isto e aquilo. Todos nós fazemos fio diariamente? De forma 100% eficaz?
Provavelmente não...
A estratégia passa sempre por uma avaliação cuidada do paciente, quer das
suas condições clinicas, crenças, disponibilidades e capacidades financeiras. O
que a evidência nos diz é que o fio dentário não deve ser a escolha de eleição
e não deve ser “vendido” como o principal meio de limpeza Interproximal...existem
outras e mais eficazes...
Na apresentação dos prémios da Sunstar, Dagmar Slot, apresentou a sua investigação vencedora do prémio de
investigação sobre geles de clorohexidina versus elixires. A utilização do gel
(com o dedo) como tantas vezes é indicado, não é eficaz. Elixir ou com
aplicação do gel com escova de dentes.
A apresentação sobre o papel que os: “Low
Temperature Atmospheric Pressure Plasma (LTAPP)” estão a ter e vão ter no
futuro parece muito interessante. Esta tecnologia promissora parece estar a
demonstrar resultados muito interessantes na área da medicina, nomeadamente na
medicina dentária. Sendo possível utilizá-la desde a desinfeção e materiais ao tratamento de doenças periodontais, cáries
e carcinomas. A seguir...
Entre visitas a outras salas, descobrem-se conferências sobre intervenções
comunitárias. Fantásticas, eficazes e divertidas...Mas fica aquela sensação que
em Portugal fazemos igual, mais e muitas vezes melhor...só que ninguém sabe de
nada... porque publicamos pouco e apresentamos pouco fora de portas...
Outro realce importante e nisso o nosso SOBE foi um exemplo fantástico, muitos programas de intervenção não
passam pela escovagem pura e dura. Na realidade, o escovar é um resultado que
se espera das famílias. As estratégias apresentadas passaram muito por
intervenções em organizações, com o
objectivo de se criarem programas interdisciplinares e que se misturem com as
diferentes estratégias no terreno: programas de rádio, danças, saúde sexual e
saúde oral, idosos, mobilidades e saúde oral, teatros, enfim, uma mistura de
intervenções onde a globalidade da saúde oral está presente e desta forma
atuando sobre a cultura dos indivíduos e famílias de uma forma diária, mesmo em
pequenas doses, tal como o flúor... A
participação do tema saúde oral nas comemorações dos 800 anos da língua
Portuguesa, esse bateu-os a todos...
E assim passou o tempo, passaram as horas e ficaram saberes que se partilham.
Fica o desafio, daqui a 3 anos mais World Dental Hygienists Awards e
mais um IFDH Symposium, desta vez
aqui bem perto, na Suíça, Basileia...vamos encher a cidade de sorrisos Portugueses e de saberes
lusitanos... Basileia 2016 é já ali, preparem-se!
Como frase final, fica o desafio de João Garcia, o nosso alpinista: Não deixes de explorar, de fazer coisas
novas.../Never Stop Exploring!
Mário Rui Araújo
MRA
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